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Aviso: se está sem tempo, guarde esta leitura para mais tarde. O texto é longo.
A direita que levou a Islândia à maior crise financeira que todo o mundo alguma vez conheceu num país, pelo menos nos últimos cem anos, venceu, para espanto de muitos, as eleições. Há um ano, quando lá fui fazer uma reportagem para o EXPRESSO, esperavam-se as eleições presidenciais, o julgamento do ex-primeiro-ministro e muitos suspeitavam que seria este o resultado eleitoral nas legislativas seguintes. Eu próprio fiquei convencido disso. O Presidente, um dos poucos políticos respeitados na Islândia, foi reeleito, o ex-primeiro-ministro foi absolvido e a direita voltou ao poder.
Porque tem tão pesada derrota um governo que consegue conter, depois de uma hecatombe financeira, o desemprego próximo dos 7%, consegue que a economia cresça acima da média europeia, consegue que o FMI já se tenha ido embora e deixa, no essencial, o poderoso Estado Social islandês intacto? Porque apesar de tudo isto nos parecer extraordinário, não lhes parece a eles? Porque não estavam preparados para viver esta crise e porque esperavam muito mais deste governo, depois de, pela primeira vez na sua história recente, se terem realmente mobilizando por uma mudança. As coisas não pioraram como podiam ter piorado, é verdade. Não pioraram como aqui. Mas não mudaram no fundamental. Porque vivem na Islândia e não aqui, os islandeses não terão a consciência do que teria sido a crise se tivesse sido outro o caminho. Mas sabem o que poderia ter sido a mudança se o governo tivesse acompanhado o sentimento social saído da "revolução das frigideiras". Ou pode dar-se o caso das pessoas estarem de tal forma frustradas com esta crise que não haja resposta política possível para esta ansiedade e decepção.
"O anterior governo caiu por causa de nós e isso deu-nos a sensação de ter poder. Reconheço tudo: que podíamos estar muito pior, que há julgamentos, que, ao contrário de outros, não usámos o dinheiro dos contribuintes para salvar bancos. Mas julgávamos que isto ia muitíssimo mais longe." Foi isto que uma das pessoas com quem falei me explicou para dizer porque era impopular este governo e porque não conseguia animar tanta gente afundada em dívidas aos bancos. O escritor Einar Már apontou o principal erro do governo de esquerda: "Quando os sindicatos americanos exigiram mais a Roosevelt, ele respondeu: rapazes, eu não posso fazer isso por vocês, mas vocês podem obrigar-me a fazê-lo. O nosso governo disse o contrário: vão para casa, não nos perturbem."
Deixo aqui, na íntegra (e sem os cortes que, por razões de falta de espaço, tive de fazer para edição impressa), a reportagem que então publiquei na revista do EXPRESSO. É jornalismo, sem qualquer opinião. Talvez a dimensão do texto não seja a ideal para publicar online, mas pode ajudar a compreender as razões deste resultado num país que, quando lá estive, não vivia em festa, mas em ressaca.
A minha estada na Islândia, assim como este resultado eleitoral que, como podem ver na reportagem, apesar de me entristecer não me surpreende muito, não muda a opinião que formei sobre os caminhos acertados que a Islândia seguiu. Apenas confirma que os processos políticos de ruptura não dependem exclusivamente de soluções de poder. Precisam de ser acompanhados por um processo social e têm de ser tão mobilizadores que contrariem a enorme desconfiança que as pessoas sentem hoje em relação à política. Uma reflexão para a esquerda. Sendo certa uma coisa: a direita pode ter ganho, mas a Islândia não deixa, depois de ter feito algumas opções que nem os que agora regressam ao poder se atrevem a contestar, de estar bem melhor do que Portugal, Irlanda ou Grécia. Segue a reportagem de Maio de 2012.